O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) completa hoje 30 anos. A lei tem o objetivo de garantir os direitos das pessoas com menos de 18 anos, abordando diversos aspectos: vida em família, educação, acolhimento, proteção e vida em sociedade. Você já leu o ECA? Confira aqui: https://bit.ly/2Onk5A6

Abaixo leia um texto nas palavras de um Alagoinhense sobre a luta pelo ECA em Alagoinhas:

30 Anos do ECA, há motivos para comemorar?


Promulgado em 13 de julho de 1990, o ECA inaugurou uma nova perspectiva no que se refere ao olhar para a infância e a juventude do Brasil, criando a doutrina da proteção integral, reconhecendo crianças e adolescentes como indivíduos de direitos, substituindo o Código de Menores, que foi por décadas uma ferramenta utilizada pelo Estado exclusivamente para punição, onde crianças e adolescentes eram tidos como objeto de intervenções repressivas e coercitivas, intensificando sua marginalização.

Num ambiente de incertezas, mobilizações, luta de classe e participação ativa dos organismos sociais, surge o ECA, tão discutido, tão incompreendido, e imensamente importante para a vida de crianças e adolescentes.

E por que não falar de Alagoinhas neste processo de organização? Como sabemos, Alagoinhas sempre foi uma cidade vanguardista, a primeira do Brasil a aderir a República, com figuras ilustres no cenário nacional, e que teve participação ativa na elaboração e promulgação desta inovação institucional para os direitos infanto-juvenis.

A partir de homens e mulheres combativos, que desde meados da década de 1980 se empenharam na garantia de direitos, dos quais destaca-se o direito à vida. Sim, direito a vida! Algo que pode parecer banal, porém outrora, crianças e adolescentes das comunidades periféricas de Alagoinhas eram mortas aos montes todos os dias, e isso pouco preocupava a sociedade, que a luz do que estava posto na época, ratificava esses atos de extermínio, por acreditar que o menino e a menina pobre da periferia não tinha direito a viver, criando esse sentimento de “não lugar”.

No dia 13 de julho de 1990, Alagoinhas estava representada em Brasília na promulgação do ECA, com a Pastoral do Menor de Alagoinhas, que se juntou ao Movimento de Meninos e Meninas de Rua para pressionar a aprovação deste marco legal.

Pelas andanças, sempre ouvimos dizer que o ECA é lei “para inglês ver”, mas isso é um absurdo, algo sem precedentes. O ECA foi construído por muitas mãos, algumas delas alagoinhenses, com rascunhos feitos em embalagens de pão e posteriormente datilografados. Sendo a síntese da discussão de centenas de brasileiros, de diversas origens, que a duras penas dedicaram parte de suas vidas para que ele pudesse existir e inaugurar essa nova doutrina de Proteção Integral.

Após a promulgação deste, foram necessárias outras lutas para que o município dispusesse da Lei Municipal que regulamentou a criação do Conselho de Direitos da Crianças e do Adolescentes, e, por conseguinte o Conselho Tutelar.

Tais medidas tornaram essas instâncias em ferramentas importantíssimas para que crianças e adolescentes com direitos violados ou em vulnerabilidade social, pudessem começar a gozar de plenos direitos, com acesso à educação, saúde e assistência social, direitos que hoje são tão “simples”, mas que para serem paridos, necessitou de trabalho árduo. Luta essa que deu origem a criação dos CRAS, CREAS e uma rede extensa que compõe o Sistema de Garantia de Direitos Humanos de Crianças e Adolescentes.

Mas há motivos para comemorar? Com o ECA todas as crianças e adolescentes estão de fato protegidas? O Estado consegue dar assistência a todos que a ele recorre garantindo plenos direitos?

Não é tempo de se aquietar, precisamos repensar com urgência a práxis do sistema de garantias, bem como suscitar o diálogo em rede para que o ECA seja aplicado de fato e de direito. Onde precisamos repensar e atualizar a Lei Municipal que trata dessa realidade, que está caduca, é de 2002, e não conseguiu acompanhar todos os avanços tecnológicos e pedagógicos das duas últimas décadas. Com ênfase na busca ativa de situações de violações de forma mais incisiva, programática e articulada.

Nesse dia de celebração o único sentimento que tenho é que ainda há muito a se fazer para implementar todos os direitos contidos nesse estatuto, sobretudo em tempos onde os retrocessos são gritantes, e a sociedade, os organismos sociais e as instituições precisam mais uma vez tomar a dianteira do processo e tratar a realidade da Criança e do Adolescente como uma realidade política, onde é fundamental o engajamento e o compromisso de todos.

Viva longa ao ECA, e a todos que ajudaram a construí-lo!

Agradeço a Nice, Heitor, Antônio e Mota que ajudaram na produção desse texto.

E meu muito obrigado a Padre Freddy, Nilzete, Nice, Antônio Carvalho, Heitor Rocha, Xisto, Nildes, Jonsos, Lucia e a tantos outros que dedicaram suas vidas para Alagoinhas se tornar referência para o país na luta por direitos de Crianças e Adolescentes.


Ramon Carvalho
Conselheiro Tutelar

Via ASCOM PAMA